Medicina & Arte

sexta-feira, junho 08, 2012

CULINÁRIA REGIONAL


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A iniciativa de recuperação da gastronomia de Trancoso partiu da associação Raia Histórica Daniel Rocha
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ALMOÇO DE APRESENTAÇÃO

Fausto Airoldi reinventa antigas receitas de Trancoso

O desafio lançado ao chef do Spot São Luiz foi o de ir a Trancoso, Beira Alta, e reinventar a culinária local, que ainda existe em casa das pessoas e nos livros de receitas das famílias, mas anda longe dos restaurantes.
Quando os pezinhos de porco guisados com ovos chegam à mesa do restaurante Spot São Luiz, José Sales Gomes, coordenador da Raia Histórica – Associação de Desenvolvimento do Nordeste da Beira, está a explicar o que nos trouxe aqui para vermos como o chef Fausto Airoldi reinventou a gastronomia do Trancoso.
Tudo começou com a constatação de um problema: o serviço dos restaurantes de Trancoso tem uma qualidade insuficiente. “Os pratos não são valorizados com uma boa apresentação”, afirma Sales Gomes. "Há produtos locais de qualidade, e há até receitas com base nesses produtos – mas não as encontramos nos restaurantes".
Foi por aí que começou o trabalho do chef convidado pela Raia Histórica. Fausto Airoldi viajou até ao Trancoso, tentou identificar os produtos tradicionais, procurou receitas guardadas por famílias, e propôs seis pratos, que os restaurantes locais podem agora adoptar e que se pretendem que sirvam de base a esta gastronomia “reinventada”.
O que encontrou Airoldi no Trancoso? “É uma cozinha regional, está pouco catalogada, não se consegue perceber exactamente o que é típico do Trancoso. As fronteiras não estão bem definidas. Há restaurantes que apostam na cozinha alentejana, outros na minhota”, conta o chef. Por isso, na primeira visita que fez tentou perceber “o que é que as pessoas comem em casa, o que é que os avós cozinhavam”.
Um dos problemas que Airoldi identificou foi a “falta de ligação entre produtores e restaurantes”. Há produtos tradicionalmente usados na cozinha local que “não se comercializam de uma forma organizada”. É o caso dos meruges, que parecem agriões mais pequenos, ou dos cogumelos míscaros. “A ideia era criar seis pratos que identificassem a zona e os produtores”.
É o resultado desse trabalho que estamos agora a provar. Primeiro, os pezinhos de porco guisados com ovos, que até agora não era possível experimentar nos restaurantes do Trancoso. De seguida, o esturricado à Trancoso, com pão de centeio, presunto, chouriço, e um ovo por cima (e que deveria ser acompanhado por meruge se fosse época dele). Chegou depois o peixe, bacalhau assado sobre papas de laberças (papas de milho com couve) – o milho é muito utilizado na Beira Alta, em papas doces ou salgadas feitas com nabiças ou couves, conforme a época.
Seguiram-se os pratos de carne. Como em muitas regiões da Beira Interior e de Trás-os-Montes, também no Trancoso a matança do porco é uma festa. A marrã (toucinho fresco) é usada logo no dia da matança, ou é salgada para se comer ao longo do ano. Fausto Airoldi serve um naco de marrã, muito macio, sobre esmagada de batata torrada (depois de cozidas são torradas sobre uma brasa ou frigideira muito quente, e esmagadas) e espigos de grelos.
Antes das sobremesas vem ainda um lombinho de porco corado com alho e serpão sobre papas de míscaros, mais uma vez feitas com milho, onde se misturam os cogumelos silvestres dos pinhais e matas da região. O texto que apresenta o projecto explica que “por existirem muitas espécies, umas venenosas outras benéficas, há uma confiança das pessoas que ao longo dos anos apanham os cogumelos no concelho de Trancoso e os vêm vender no mercado semanal das sextas-feiras”.