AVISO DE AMIGO
ARTE POÉTICA (EXPLICAÇÃO)
Distingo desejo e amor, como se as duas coisas
não tivessem nada a ver uma com a outra; por
entre as palavras abstractas, os conceitos
difíceis, as citações dos clássicos, os teus olhos
fechavam-se de sono e os teus cabelos ficavam
mais claros, como se os iluminasse
por dentro a luz baça do conhecimento. Para te acordar,
perguntei que relação podia haver entre a vida
e o poema. A dúvida não era possível: com efeito, para
os teóricos, a poesia é pura imitação, e nada
do que está nas palavras tem a ver com a matéria sensível,
com o real, com tudo aquilo que nos rodeia. Mas
a tua resposta foi o contrário do que eles dizem,
como se vida e poesia participassem da mesma
natureza. Devia ter corrigido. São as certezas científicas
que fazem avançar o mundo, e não os erros em
que continuamos a insistir. Sim, dir-te-ia, é
dessa oposição entre a vida e o poema, dessa realidade
absoluta da linguagem, construída contra os nossos
hábitos, os lugares comuns do quotidiano, a
banalidade dos sentimentos, que a essência do estético
se pode afirmar. Mas os teus olhos demonstravam-me
o contrário de tudo isto. Contra o que eu próprio pensava,
cedi à sua lógica. Contra o amor, até as leis da poética
são absurdas.
Nuno Júdice
Distingo desejo e amor, como se as duas coisas
não tivessem nada a ver uma com a outra; por
entre as palavras abstractas, os conceitos
difíceis, as citações dos clássicos, os teus olhos
fechavam-se de sono e os teus cabelos ficavam
mais claros, como se os iluminasse
por dentro a luz baça do conhecimento. Para te acordar,
perguntei que relação podia haver entre a vida
e o poema. A dúvida não era possível: com efeito, para
os teóricos, a poesia é pura imitação, e nada
do que está nas palavras tem a ver com a matéria sensível,
com o real, com tudo aquilo que nos rodeia. Mas
a tua resposta foi o contrário do que eles dizem,
como se vida e poesia participassem da mesma
natureza. Devia ter corrigido. São as certezas científicas
que fazem avançar o mundo, e não os erros em
que continuamos a insistir. Sim, dir-te-ia, é
dessa oposição entre a vida e o poema, dessa realidade
absoluta da linguagem, construída contra os nossos
hábitos, os lugares comuns do quotidiano, a
banalidade dos sentimentos, que a essência do estético
se pode afirmar. Mas os teus olhos demonstravam-me
o contrário de tudo isto. Contra o que eu próprio pensava,
cedi à sua lógica. Contra o amor, até as leis da poética
são absurdas.
Nuno Júdice
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