Medicina & Arte

domingo, março 13, 2011

AVISO DE AMIGO

ARTE POÉTICA (EXPLICAÇÃO)



Distingo desejo e amor, como se as duas coisas

não tivessem nada a ver uma com a outra; por

entre as palavras abstractas, os conceitos

difíceis, as citações dos clássicos, os teus olhos

fechavam-se de sono e os teus cabelos ficavam

mais claros, como se os iluminasse

por dentro a luz baça do conhecimento. Para te acordar,

perguntei que relação podia haver entre a vida

e o poema. A dúvida não era possível: com efeito, para

os teóricos, a poesia é pura imitação, e nada

do que está nas palavras tem a ver com a matéria sensível,

com o real, com tudo aquilo que nos rodeia. Mas

a tua resposta foi o contrário do que eles dizem,

como se vida e poesia participassem da mesma

natureza. Devia ter corrigido. São as certezas científicas

que fazem avançar o mundo, e não os erros em

que continuamos a insistir. Sim, dir-te-ia, é

dessa oposição entre a vida e o poema, dessa realidade

absoluta da linguagem, construída contra os nossos

hábitos, os lugares comuns do quotidiano, a

banalidade dos sentimentos, que a essência do estético

se pode afirmar. Mas os teus olhos demonstravam-me

o contrário de tudo isto. Contra o que eu próprio pensava,

cedi à sua lógica. Contra o amor, até as leis da poética

são absurdas.



Nuno Júdice