“Qual é o teu valor de mercado, mãe? Desculpa escrever-te uma pequena
carta, mas estou tão confuso que pensei que escrevendo me explicava
melhor.
Vi ontem na televisão um senhor de cabelos brancos, julgo que se chama
Catroga, a explicar que vai ter um ordenado de 639 mil euros por ano
na EDP, aquela empresa que dava muito dinheiro ao Estado e que o
governo ofereceu aos chineses.
Pus-me a fazer contas e percebi que o senhor vai ganhar 1750 euros por
dia. E depois ouvi o que ele disse na televisão. Vai ganhar muito
dinheiro porque tem o seu valor de mercado, tal como o Cristiano
Ronaldo. Foi então que fiquei a pensar. Qual é o teu valor de mercado,
mãe?
Tu acordas todos os dias por volta das seis e meia da manhã, antes de
saíres de casa ainda preparas os nossos almoços, passas a ferro,
arrumas a casa, depois sais para o trabalho e demoras uma hora em
transportes, entra e sai do comboio, entra e sai do autocarro, por fim
lá chegas e trabalhas 8 horas, com mais meia hora agora, já é noite
quando regressas a casa e fazes o jantar, arrumas a casa e ainda fazes
mil e uma coisas até te deitares quando já eu estou há muito tempo a
dormir.
O teu ordenado mensal, contaste-me tu, é pouco mais de metade do que
aquele senhor de cabelos brancos ganha num só dia. Afinal mãe qual é o
teu valor de mercado? E qual é o valor de mercado do avozinho? Começou
a trabalhar com catorze anos, trabalhou quase sessenta anos e tem uma
reforma de quinhentos euros, muito boa, diz ele, se comparada com a da
maioria dos portugueses. Qual é o valor de mercado do avô, mãe? E qual
é o valor de mercado desses portugueses todos que ainda recebem menos
que o avô? Qual é o valor de mercado da vizinha do andar de cima que
trabalha numa empresa de limpezas?
Ontem à tardinha ela estava a conversar com a vizinha do terceiro
esquerdo e dizia que tem dias de trabalhar catorze horas, que não
almoça por falta de tempo, que costumava comer um iogurte no autocarro
mas que desde que o motorista lhe disse que era proibido comer nos
transportes públicos se habituou a deixar de almoçar. Hábitos!
Qual é o valor de mercado da vizinha, mãe? E a minha prima Ana que
depois de ter feito o mestrado trabalha naquilo dos telefones, o “call
center”, enquanto vai preparando o doutoramento? Ela deve ter um
enorme valor de mercado! E o senhor Luís da mercearia que abre a loja
muito cedo e está lá o dia todo até ser bem de noite, trabalha aos
fins de semana e diz ele que paga mais impostos que os bancos?
Que enorme valor de mercado deve ter! O primo Zé que está
desempregado, depois da empresa onde trabalhava há muitos anos ter
encerrado, deve ter um valor de mercado enorme! Só não percebo como é
que com tanto valor de mercado vocês todos trabalham tanto e recebem
tão pouco! Também não entendo lá muito bem – mas é normal, sou criança
– o que é isso do valor de mercado que dá milhões ao senhor de cabelos
brancos e dá miséria, muito trabalho e sofrimento a quase todas as
pessoas que eu conheço!
Foi por isso que te escrevi, mãe. Assim, a pôr as letrinhas num papel,
pensava eu que me entendia melhor, mas até agora ainda estou cheio de
dúvidas. Afinal, mãe, qual o teu valor de mercado? E o meu?”
Quem sabe a resposta?
QUAL É O NOSSO
VALOR DE MERCADO???
"Tudo parece impossível até que esteja feito" Nelson Mandela
"A tua vida será plena no momento em que o decidires" Neale Walsch
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